segunda-feira, 4 de abril de 2016

A Máquina de Lavar a Roupa que Dava Dinheiro em Tempos de Crise



 2013, o ano do auge da crise. As pessoas já vivem tanto numa simbiose com a recessão que já nem reclamam em voz alta e aos gritos, espantadíssimas com mais um corte ou outro subsídio penhorado. Já estão habituadas, limitam-se a dizer "olha, mais um!" ou a ligar ao psicólogo imaginário pois já não há dinheiro para o luxo de um verdadeiro. Ainda há aqueles cuja linha de suicídio os bloqueou pelas incessantes chamadas que para lá faziam. No entanto, continua a insatisfação e as manifestações na rua. Embora, todas inúteis pois nenhuma delas é organizada ou inteligente o suficiente para mexer com alguma coisa.
Enfim, tempos de Crise!
Tempos em que qualquer moedinha no fundo da carteira é uma fortuna inesperada.
E não é tão giro quando encontramos uma moeda no bolso das calças ou mesmo dentro da máquina de lavar a roupa após uma lavagem? O que me intriga é: Por que razão, intenção ou circunstância é que quando encontramos uma moeda após uma lavagem de roupa, é que essa moeda vem preta? O lógico é ela vir limpinha e a brilhar (com um cheiro repugnante a detergente)... Mas não, ela vem preta! (eu sei porquê, mas enfim).
Continuando...
Era uma vez uma família que se intrigava muito sobre o porquê das moedas que aparecem na máquina de lavar a roupa, virem pretas, ou cinzentas, ou castanhas, ou o que quer que seja. Uma família de classe média baixa de gente tolinha que nunca se interessou por nada de fantástico, a mãe ouve música pimba e romântica e o pai gosta de futebol e de adormecer a ver debates televisivos; a filha mais velha destas duas criaturas, é aquela adolescente irritante que prefere os olhos do cantor à música que ele canta, o filho é aquele miudinho brincalhão que só não come bichos-de-conta na escola porque a paixoneta dele está a olhar...
Enfim, uma família à portuguesa com certeza. Sempre que o pai chega a casa toca tudo a evacuar o sofá de família porque o homem não vê um boi à frente e não está para se interessar se esmaga um dos filhos nas suas banhas. Quando se descalça e deita no sofá, pede molengamente uma cerveja à mulher e pergunta desinteressadamente aos filhos se a escola correu bem, ao que os rebentos respondem, apressadamente, que sim (a garota deve-se estar a esquecer da negativa a matemática, e o rapazito igualmente não se recorda do banano que espetou na face do colega, e do consequente castigo que levou).
Uma família de constantes ocultações da realidade em que todos eles representam muito bem uma realidade fictícia e perfeita, quem me dera a mim realizar um filme e ter atores tão bons como estas criaturas!
Ora um sábado solarengo, após uma ida às compras com a filha (isto porque as mulheres podem não ter dinheiro para comer, mas no dia em que já não têm para ir às compras, aí sim começa o problema que nem a anos-luz pode ser medido!), a mulher pôs a roupa na máquina para a lavar, pôs também a roupa acabada de comprar pois sabe-se lá quem é que a andou a experimentar. Quem sabe se não foi um político, é melhor prevenir, não vá aquilo ser contagioso e depois é um enorme problema, que nojo!
Quando a mãe foi a tirar a roupa da máquina, notou no fundo da mesma, uma moeda de um euro. Pensou para os seus botões "olha, finalmente um político a dar dinheiro a outras pessoas", ficou contente por ver que trouxe qualquer coisa da loja com uma moedinha num bolso!
O evento foi-se repetindo repetidamente. Todas as vezes que se usava a máquina, uma nova moeda surgia lá do fundo, houve só algumas poucas exceções. A situação era um mistério, a mãe intrigada perguntava à família se alguém tinha deixado moedas em bolsos, todos respondiam que não, até que a bimba se lembrou da ideia estapafúrdia de que aquela máquina estaria encantada, a ideia pegou, mas também não era muito difícil, numa família de uma mulher “sopeira”, marido gordo e preguiçoso, filha pop e filho comedor de bichos-de-conta, o que é que se esperava?
A ideia foi ganhando cada vez mais credibilidade, os que duvidavam começavam agora a acreditar. Entretanto, a história começou a correr o país, o continente, o mundo. Vinham jornalistas de longe só para fazer a sua reportagem sobre a máquina de lavar que dá dinheiro. A família fez fama, algum dinheiro com publicidades, especialmente à marca da máquina. Lavavam agora muito mais a roupa para colher sempre a moedinha de 1 euro no fundo da máquina, por vezes nem precisavam de lavar a roupa mas faziam-no, havia ainda alturas em que a moeda não aparecia, mas na próxima lavagem já lá estava, uma nova e diferente a cada vez que se lavasse a roupa. A família achava que estava a fazer fortuna, sempre que usava a máquina ganhava 1 euro (só não se lembrava que pagava a conta do gás, água e eletricidade, mas enfim...).

A história continuava a passar por todo o lado, nas redes sociais era já diário, houve até na rádio um humorista chamado Nuno com um apelido estranho, que expôs a história numa rubrica que falava de coisas esquisitas. Enfim, a história prosseguiu na sua boémia.
Passou um ano, um ano e tal, e ainda em tempos de crise (porque enquanto o pessoal continuar a confiar nos grandes, não vamos lá), se falava da máquina. Aconteceu que um dia, a moeda não apareceu. Já habituada, a mãe prosseguiu "vem na próxima lavagem". A Moeda nem na próxima nem na a seguir estava lá. A catatua da mãe pôs-se aos guinchos a ver a vida toda a andar para trás e preocupadíssima com a saúde da máquina. Como o marido já não a podia ouvir, foi para o café ver o derby. Deixou a mulher aos guinchos e os filhos a aturá-la, é que aqueles guinchos lembravam-no do dia do casamento e ele não queria estar a pensar em coisas tristes, pior ainda foi a lua-de-mel em Marrocos, como ele não atinava bem com mapas, perderam-se no deserto, até aí tudo bem (ou mais ou menos) só que a mulher decidiu levar a sogra de pendura para a lua-de-mel, deixo ao critério do leitor imaginar o que aconteceu...
Passou um mês e a máquina não voltou a dar dinheiro, pelo contrário chegava a lavar a roupa com muito mais eficácia, mas o que é que isso interessava àquela família ao pé da tão desejada moedinha? O pai decidiu então levar a máquina a um médico, tentaram de tudo, o sr. Doutor, o veterinário, o mecânico, uma bruxa, um bruxo, uma senhora que falava com espíritos, o cão, o gato, o periquito, o mágico, os programas da tarde (que às vezes resolvem problemas destes), um sábio, uma sábia, o feiticeiro de Oz, outro mecânico, um mafioso, um inteligente, só se esqueceram de me perguntar a mim, porque, pois claro, eu saberia, sou o narrador desta história!
Nada resultou, para além disso o dinheiro que gastaram na bruxa para ela fazer uma macumba foi só prejuízo, a mulher esteve lá a dizer umas palavras esquisitas até aquilo funcionar, ao fim da primeira hora, disse logo "Eu recebo à hora, portanto se é para continuar, são mais 150 euros, ao passar da segunda hora, repetiu a frase, estava quase na terceira hora quando o pai perguntou se ela queria mais 150 para continuar, ao que a bruxa respondeu "Agora não que eu vou ter consulta de urologia às 4 da tarde".
A família estava desesperada. Perderam a esperança de recuperar a tão conceituada e mundialmente conhecida máquina de lavar a roupa. A máquina ainda lavava, e cada vez melhor, o cheirinho a lavanda irrompia pela vizinhança como um campo de madre silva numa manhã de verão, no entanto, a moedinha de um euro fazia falta.
Um dia aconteceu que apareceu uma moeda de dois euros na máquina. A família celebrou o sucedido, deu uma festa enorme. No entanto, tal evento não voltou a acontecer e o filho admitiu que aquela moeda de dois era sua, que ele tinha deixado no bolso das calças.
O desespero corrompeu a família. Tiveram algo interessante para partilhar com o mundo, algo que os fazia especiais, que os tornava diferentes.
Mas esta gentinha não pensa com cabeça, tudo o que é novo e invulgar é motivo para os "unir" (só um poucochinho). Tudo o que os faça ter fama, é algo pelo qual têm de lutar para sempre, pois a fama, para estas criaturas, é tudo! Só a inteligência nunca os acompanhou.
O rapaz tinha umas calças com um roto nos bolsos, a mãe pegou naquilo e deu para a caridade, da caridade, ofereceram a um menino órfão. Muito cedo, esse menino apercebeu-se que todos os dias aparecia naquelas calças uma moeda de um euro, se ele se esquecesse, a moeda caía do bolso devido ao roto. Esse menino fez então fortuna em publicidade à marca das calças. Como ficou rico, milhares de casais quiseram adotá-lo (só o oportunismo e interesseirismo que reina por este mundo! Não é só nos parlamentos, aliás, esses infernos na terra são apenas o espelho das sociedades que representam).
Qual máquina de lavar a roupa? A família vê só a meios olhos, e o filho estava demasiado preocupado em comer bichos-de-conta do que em notar que tinha umas calças mágicas em que todos os dias aparecia uma moeda de um euro que, ora caía do bolso roto, ora aparecia na máquina de lavar a roupa no dia de lavagem das calças.
A família foi enganada, quase como uma conspiração organizada por mim e pela bruxa, ela até se aproveitou da situação para ir lá ganhar mais uns trocos. Viveram então o resto dos seus dias deprimidos com a máquina que já não funcionava, só lavava roupa, que chatice! E ainda o fez por mais uns aninhos, e cada vez melhor, só o cheirinho a flores do campo, que maravilha. Mas o rancor apoderou-se da mãe que um dia decidiu desfazê-la à marretada. E assim se terminou a “máquina de lavar a roupa que dava dinheiro em tempos de crise”. Mas felizmente, o materialismo triunfou, pois foram logo a correr comprar mais uma máquina. E quando essa se avariava… outra. E outra, e mais uma, e por aí fora. Tudo porque a indústria de máquinas de lavar a roupa não lucra lá grande coisa se a maquinaria for duradoura. É preciso um “incentivo à troca”…
O rapaz órfão lá viveu com as suas calcinhas mágicas e rotas que se tornaram a sua razão de viver... Até arranjar uma namorada, depois disso guardou as calças no sótão da sua casa, isto já em adulto. Houve um dia que o teto caiu e por ele, irromperam um número exorbitante de moedas de um euro. Como o órfão já tinha 40 anos, muito tempo passara, o euro já não valia nada, o que valia era o Yeng, a moeda chinesa. Isto por que a China, por essa altura, já dominava quase todo o mundo.



Miguel Partidário,
Março de 2013

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