Esse
homem, pioneiro, Líder, começou a dançar. Dançava à volta da Fogueira enquanto
a sua música entoava sobre tudo o que existia naquele pequeno universo
limitado à volta da Fogueira. Tudo se centrava ali, era como se a Fogueira
fosse o centro de toda a existência, não havia mais luz senão a que a Fogueira emitia. A sua luz intervalava-se, era debilitada, proporcionando uma cor
acastanhada a tudo o que existia, no chão de lama, em todo aquele, acampamento?
Era decerto a Fogueira o centro da existência!
A
sua cor revelava-se amarelada, por vezes vermelha, nunca cores fortes, sempre
claras! O Líder conservava a música e a Fogueira. Tudo parecia aliciante, todos
se juntavam à sua volta e em redor da Fogueira e dançavam a sua dança como se
não houvesse mais vida.
A
dança do líder, a música, a luz, tudo atraía cegamente! Todos dançavam em torno
da Fogueira, caminhavam em círculos em redor dela, alguns ousavam entoar a
música, tudo era belo, tudo era perfeito, tudo era harmonia.
O
conjunto conformava-se, a dança do Líder era a ação, a sua Fogueira, era a existência
decerto! O Líder cumprira a sua obra, agora, apenas harmonizava. Cego pelo seu
poder, marionetista, coordenava a sintonia à volta da Fogueira a seu
bel-prazer. Seus seguidores mais fieis poderiam agora segui-lo na coordenação.
No fundo, ficavam de lado e fora da Fogueira, observando atentamente a sua
chama, ouvindo a música que por entre todo o conjunto entoava, e mirando os
dançarinos em torno da chama.
Ouve
então discórdia, um novo grupo se formou. Esta pequena associação discordava
(aleatoriamente) da forma como a dança era feita, achavam que no quinto
movimento da coreografia da dança, se devia estalar os dedos em vez de bater
uma palma, achavam que o segundo tempo do quinto compasso da música devia ser
um dó em vez de um ré. O novo grupo tinha certas ideologias que pouca diferença
faziam, no entanto, os dançarinos em redor da Fogueira, achavam que tais
diferenças seriam uma excelente inovação, dando assim o controle da Fogueira ao
novo grupo, o velho grupo fez então oposição.
Enquanto
a bela música entoava, o som dos tambores que tremiam os nossos vivos corações,
os acordes dos banjos, os sopros das flautas de osso, a música era bela em todo
o seu ser. Mas enquanto entoava, a harmonia era posta em causa: O velho grupo
discutia com o novo grupo, os dançarinos iam concordando com as novas ideias,
com as oposições, havia até dançarinos que se limitavam a prosseguir com a sua
dança, como se nada mais houvesse, ausentes das logísticas da Fogueira, e
quanto mais se debatia, mais a harmonia alcançada era posta em causa. Certos
acordes começavam a falhar, certos passos da dança eram realizados de forma
errónea, a chama ia enfraquecendo e, devido aos debates, não era, por vezes,
reforçada. Tudo estava a desmoronar-se.
Era
de esperar que fosse nesta altura que os dançarinos em redor da chama se
manifestassem, que escolhessem um bom líder; incorruptível pelo poder das
cordas que prendem as marionetas; um líder que se preocupasse em fazer única e
exclusivamente, o bem para todos, não só das pessoas, mas também o bem pela
harmonia da Fogueira, a chama, a vida, a existência generalizada de toda a
existência deste universo… de tudo!
No
entanto as pessoas não souberam escolher, continuavam a apontar estes dois
líderes limitados destes dois grupos que pouca diferença faziam entre si, e
quando um dos líderes se cansava, os dançarinos permaneciam no seu fraco ponto
de vista sobre a Fogueira, nas suas ideias centradas, e apontavam um novo
Líder, igual ao seu antecessor. A dança continuava a causar desconforto, harmonia
era escassa, mas nunca um líder nomeado conseguia repor a concórdia como
outrora fora, por obra apenas do acaso de ser pioneiro. Nunca mais se voltou a
atingir o objetivo inicial, a chama mudara, o seu sangue era agora negro, a luz
desvanecera. Havia quem soubesse a cura, tinham a solução, mas não tinham a
oportunidade de a demonstrar, não eram ouvidos, era-lhes dado pouco espaço de
manobra pois os líderes não queriam passar o poder para um ser sensato, o
comando da Fogueira corrompia-lhes o espírito de tal forma que se esqueceram de
porque o faziam, para quem o faziam, e com que objetivo, assim como olvidaram
certos sentimentos, certos cheiros, certos sabores. E apesar de tudo, enquanto
a Fogueira piorava a cada dia, quando um líder perdia a credibilidade, uma
réplica era nomeada, e os verdadeiros eruditos perduravam na sua consciência de
saber a cura, mas sem mãos para a aplicar, mãos cortadas pelos dançarinos e
pelas elites e líderes.
A
luz desvanecera, a chama era negra, a dança perdera o sentido.
Até
que a fogueira se extinguiu.
A fogueira parecia ter-se extinguido, mas no meio das cinzas, escondidas por toda aquela escuridão, havia umas chamas pequeninas que teimavam em continuar a arder.
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