quinta-feira, 28 de julho de 2016

O Vazio




O que é este vazio
Onde se formam os enganos,
Onde passam os anos,
E fico-me pelo desvario?

Este vazio em que
Vagueando no meu mundo
Pelas ilusórias paisagens
Aprendo e não esqueço
Miragens serão sempre miragens

Esvazia-se o meu coração
De emoção e de esperança,
Sofri a tempestade
E quis a bonança
E foi como um trovão
Que amargurei nas noites frias,
Vendo as horas e os dias
Tornando-se num vazio

quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Dança da Fogueira

      Um homem começou por acender a Fogueira, foi ele que começou!

Esse homem, pioneiro, Líder, começou a dançar. Dançava à volta da Fogueira enquanto a sua música entoava sobre tudo o que existia naquele pequeno universo limitado à volta da Fogueira. Tudo se centrava ali, era como se a Fogueira fosse o centro de toda a existência, não havia mais luz senão a que a Fogueira emitia. A sua luz intervalava-se, era debilitada, proporcionando uma cor acastanhada a tudo o que existia, no chão de lama, em todo aquele, acampamento? Era decerto a Fogueira o centro da existência!

A sua cor revelava-se amarelada, por vezes vermelha, nunca cores fortes, sempre claras! O Líder conservava a música e a Fogueira. Tudo parecia aliciante, todos se juntavam à sua volta e em redor da Fogueira e dançavam a sua dança como se não houvesse mais vida.

A dança do líder, a música, a luz, tudo atraía cegamente! Todos dançavam em torno da Fogueira, caminhavam em círculos em redor dela, alguns ousavam entoar a música, tudo era belo, tudo era perfeito, tudo era harmonia.
O conjunto conformava-se, a dança do Líder era a ação, a sua Fogueira, era a existência decerto! O Líder cumprira a sua obra, agora, apenas harmonizava. Cego pelo seu poder, marionetista, coordenava a sintonia à volta da Fogueira a seu bel-prazer. Seus seguidores mais fieis poderiam agora segui-lo na coordenação. No fundo, ficavam de lado e fora da Fogueira, observando atentamente a sua chama, ouvindo a música que por entre todo o conjunto entoava, e mirando os dançarinos em torno da chama.

Ouve então discórdia, um novo grupo se formou. Esta pequena associação discordava (aleatoriamente) da forma como a dança era feita, achavam que no quinto movimento da coreografia da dança, se devia estalar os dedos em vez de bater uma palma, achavam que o segundo tempo do quinto compasso da música devia ser um dó em vez de um ré. O novo grupo tinha certas ideologias que pouca diferença faziam, no entanto, os dançarinos em redor da Fogueira, achavam que tais diferenças seriam uma excelente inovação, dando assim o controle da Fogueira ao novo grupo, o velho grupo fez então oposição.

Enquanto a bela música entoava, o som dos tambores que tremiam os nossos vivos corações, os acordes dos banjos, os sopros das flautas de osso, a música era bela em todo o seu ser. Mas enquanto entoava, a harmonia era posta em causa: O velho grupo discutia com o novo grupo, os dançarinos iam concordando com as novas ideias, com as oposições, havia até dançarinos que se limitavam a prosseguir com a sua dança, como se nada mais houvesse, ausentes das logísticas da Fogueira, e quanto mais se debatia, mais a harmonia alcançada era posta em causa. Certos acordes começavam a falhar, certos passos da dança eram realizados de forma errónea, a chama ia enfraquecendo e, devido aos debates, não era, por vezes, reforçada. Tudo estava a desmoronar-se.

Era de esperar que fosse nesta altura que os dançarinos em redor da chama se manifestassem, que escolhessem um bom líder; incorruptível pelo poder das cordas que prendem as marionetas; um líder que se preocupasse em fazer única e exclusivamente, o bem para todos, não só das pessoas, mas também o bem pela harmonia da Fogueira, a chama, a vida, a existência generalizada de toda a existência deste universo… de tudo!


No entanto as pessoas não souberam escolher, continuavam a apontar estes dois líderes limitados destes dois grupos que pouca diferença faziam entre si, e quando um dos líderes se cansava, os dançarinos permaneciam no seu fraco ponto de vista sobre a Fogueira, nas suas ideias centradas, e apontavam um novo Líder, igual ao seu antecessor. A dança continuava a causar desconforto, harmonia era escassa, mas nunca um líder nomeado conseguia repor a concórdia como outrora fora, por obra apenas do acaso de ser pioneiro. Nunca mais se voltou a atingir o objetivo inicial, a chama mudara, o seu sangue era agora negro, a luz desvanecera. Havia quem soubesse a cura, tinham a solução, mas não tinham a oportunidade de a demonstrar, não eram ouvidos, era-lhes dado pouco espaço de manobra pois os líderes não queriam passar o poder para um ser sensato, o comando da Fogueira corrompia-lhes o espírito de tal forma que se esqueceram de porque o faziam, para quem o faziam, e com que objetivo, assim como olvidaram certos sentimentos, certos cheiros, certos sabores. E apesar de tudo, enquanto a Fogueira piorava a cada dia, quando um líder perdia a credibilidade, uma réplica era nomeada, e os verdadeiros eruditos perduravam na sua consciência de saber a cura, mas sem mãos para a aplicar, mãos cortadas pelos dançarinos e pelas elites e líderes.

A luz desvanecera, a chama era negra, a dança perdera o sentido.
Até que a fogueira se extinguiu.

 

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Lobo Solitário


Há um mundo lá fora
De egos odiosos, que se servem
Uns dos outros sem demora.
Cá dentro há um lobo
Que vagueia no deserto
Fugindo à agreste hora
De viver nesse mundo incerto,
E na sábia solidão
Encontra-se liberto
Do mal, da amargura,
Da tristeza em vão,
Da ignorância que é censura
À genial minoria,
De com o tempo ter a desilusão
De ver morrer um sonho que floria.
E capta nesta vivência impura
O bom e o mal de só estar,
Só quem se prende, vive em clausura,
E se o sofrer é desejar,
Não deseje ter dos outros mais que a amargura
Pois se a noite é escura
O Lobo uiva ao luar.

Acordo na manhã mais que certa
E não desejo ter
O que não me posso dar,
Quis mudar a minha essência,
Hoje não a quero perder.
Em frente segue o deserto com urgência,
Há que seguir esse caminho lendário,
E assim me vou,
Levando a cruz e o calvário
E esta certeza de que sou
E serei sempre o Lobo Solitário.




O "Lobo Solitário" é um dos remates finais do conjunto de poemas correspondentes à fase Psicadélica. Achei peculiar neste poema a sensação de um pensamento depressivo e sombrio que passa ao leitor, quando a mensagem escondida desbrava novas interpretações de coragem e felicidade e uma forma de vencer neste mundo em que vivemos. 
Este poema apresenta a tese filosófica da solidão como forma de conquista da independência emocional, com influências do pensamento budista. Deste modo para cessar o sofrimento, anula-se qualquer tipo de desejo que necessito de outras pessoas para além do sujeito poético. Ao anular esse desejo, anula-se a desilusão e o sofrimento de não termos algo que queremos.

Esta cruz que carrego, este calvário, podem ser interpretados como uma manifestação de tristeza e sofrimento, mas são parte integrante da minha pessoa. E hoje não quero perder essa essência. As pessoas vivem a sua vida como querem, eu Sou o Lobo Solitário e chegarei ao fim do Deserto 

segunda-feira, 11 de julho de 2016

A Miragem



Mata as sombras que rodeiam
A minha e a tua vida,
Estou tão sozinho neste deserto
E tu vieste como uma miragem
Prometendo bonança

Sobrevivi à sede e à fome
Foi a solidão que quase me matou,
Vi cactos desaparecer,
Alguém matou a cobra
Que me fazia companhia

E quando a miragem se foi embora
Os ventos levantaram areia
Enterrada há milhares de anos,
Prometerem-me a morte
Que nada mais restaria

Mas de alguma forma aqui estou,
Os ventos não me quebraram
E fico firme e hirto
Sozinho no deserto,
Agora e eternamente