2013,
o ano do auge da crise. As pessoas já vivem tanto numa simbiose com a recessão
que já nem reclamam em voz alta e aos gritos, espantadíssimas com mais um corte
ou outro subsídio penhorado. Já estão habituadas, limitam-se a dizer
"olha, mais um!" ou a ligar ao psicólogo imaginário pois já não há
dinheiro para o luxo de um verdadeiro. Ainda há aqueles cuja linha de suicídio os
bloqueou pelas incessantes chamadas que para lá faziam. No entanto, continua a
insatisfação e as manifestações na rua. Embora, todas inúteis pois nenhuma
delas é organizada ou inteligente o suficiente para mexer com alguma coisa.
Enfim,
tempos de Crise!
Tempos
em que qualquer moedinha no fundo da carteira é uma fortuna inesperada.
E
não é tão giro quando encontramos uma moeda no bolso das calças ou mesmo dentro
da máquina de lavar a roupa após uma lavagem? O que me intriga é: Por que
razão, intenção ou circunstância é que quando encontramos uma moeda após uma
lavagem de roupa, é que essa moeda vem preta? O lógico é ela vir limpinha e a
brilhar (com um cheiro repugnante a detergente)... Mas não, ela vem preta!
(eu sei porquê, mas enfim).
Continuando...
Era
uma vez uma família que se intrigava muito sobre o porquê das moedas que
aparecem na máquina de lavar a roupa, virem pretas, ou cinzentas, ou castanhas,
ou o que quer que seja. Uma família de classe média baixa de gente tolinha que
nunca se interessou por nada de fantástico, a mãe ouve música pimba e romântica
e o pai gosta de futebol e de adormecer a ver debates televisivos; a filha
mais velha destas duas criaturas, é aquela adolescente irritante que prefere os
olhos do cantor à música que ele canta, o filho é aquele miudinho
brincalhão que só não come bichos-de-conta na escola porque a paixoneta dele
está a olhar...
Enfim,
uma família à portuguesa com certeza. Sempre que o pai chega a casa toca tudo a
evacuar o sofá de família porque o homem não vê um boi à frente e não está para
se interessar se esmaga um dos filhos nas suas banhas. Quando se descalça e
deita no sofá, pede molengamente uma cerveja à mulher e pergunta
desinteressadamente aos filhos se a escola correu bem, ao que os rebentos respondem,
apressadamente, que sim (a garota deve-se estar a esquecer da negativa a
matemática, e o rapazito igualmente não se recorda do banano que espetou na
face do colega, e do consequente castigo que levou).
Uma
família de constantes ocultações da realidade em que todos eles representam
muito bem uma realidade fictícia e perfeita, quem me dera a mim realizar um
filme e ter atores tão bons como estas criaturas!
Ora
um sábado solarengo, após uma ida às compras com a filha (isto porque as
mulheres podem não ter dinheiro para comer, mas no dia em que já não têm para
ir às compras, aí sim começa o problema que nem a anos-luz pode ser medido!), a
mulher pôs a roupa na máquina para a lavar, pôs também a roupa acabada de
comprar pois sabe-se lá quem é que a andou a experimentar. Quem sabe se não foi
um político, é melhor prevenir, não vá aquilo ser contagioso e depois é um
enorme problema, que nojo!
Quando
a mãe foi a tirar a roupa da máquina, notou no fundo da mesma, uma moeda de um
euro. Pensou para os seus botões "olha, finalmente um político a dar
dinheiro a outras pessoas", ficou contente por ver que trouxe qualquer
coisa da loja com uma moedinha num bolso!
O
evento foi-se repetindo repetidamente. Todas as vezes que se usava a máquina,
uma nova moeda surgia lá do fundo, houve só algumas poucas exceções. A situação
era um mistério, a mãe intrigada perguntava à família se alguém tinha deixado
moedas em bolsos, todos respondiam que não, até que a bimba se lembrou da ideia
estapafúrdia de que aquela máquina estaria encantada, a ideia pegou, mas também
não era muito difícil, numa família de uma mulher “sopeira”, marido gordo e
preguiçoso, filha pop e filho comedor de bichos-de-conta, o que é que se
esperava?
A
ideia foi ganhando cada vez mais credibilidade, os que duvidavam começavam
agora a acreditar. Entretanto, a história começou a correr o país, o
continente, o mundo. Vinham jornalistas de longe só para fazer a sua reportagem
sobre a máquina de lavar que dá dinheiro. A família fez fama, algum dinheiro
com publicidades, especialmente à marca da máquina. Lavavam agora muito mais a
roupa para colher sempre a moedinha de 1 euro no fundo da máquina, por vezes
nem precisavam de lavar a roupa mas faziam-no, havia ainda alturas em que a
moeda não aparecia, mas na próxima lavagem já lá estava, uma nova e diferente a
cada vez que se lavasse a roupa. A família achava que estava a fazer fortuna,
sempre que usava a máquina ganhava 1 euro (só não se lembrava que pagava a
conta do gás, água e eletricidade, mas enfim...).
A
história continuava a passar por todo o lado, nas redes sociais era já diário,
houve até na rádio um humorista chamado Nuno com um apelido estranho, que expôs
a história numa rubrica que falava de coisas esquisitas. Enfim, a história
prosseguiu na sua boémia.
Passou
um ano, um ano e tal, e ainda em tempos de crise (porque enquanto o pessoal
continuar a confiar nos grandes, não vamos lá), se falava da máquina. Aconteceu
que um dia, a moeda não apareceu. Já habituada, a mãe prosseguiu "vem na
próxima lavagem". A Moeda nem na próxima nem na a seguir estava lá. A
catatua da mãe pôs-se aos guinchos a ver a vida toda a andar para trás e
preocupadíssima com a saúde da máquina. Como o marido já não a podia ouvir, foi
para o café ver o derby. Deixou a mulher aos guinchos e os filhos a aturá-la, é
que aqueles guinchos lembravam-no do dia do casamento e ele não queria estar a
pensar em coisas tristes, pior ainda foi a lua-de-mel em Marrocos, como ele não
atinava bem com mapas, perderam-se no deserto, até aí tudo bem (ou mais ou
menos) só que a mulher decidiu levar a sogra de pendura para a lua-de-mel,
deixo ao critério do leitor imaginar o que aconteceu...
Passou
um mês e a máquina não voltou a dar dinheiro, pelo contrário chegava a lavar a
roupa com muito mais eficácia, mas o que é que isso interessava àquela família
ao pé da tão desejada moedinha? O pai decidiu então levar a máquina a um
médico, tentaram de tudo, o sr. Doutor, o veterinário, o mecânico, uma bruxa,
um bruxo, uma senhora que falava com espíritos, o cão, o gato, o periquito, o
mágico, os programas da tarde (que às vezes resolvem problemas destes), um
sábio, uma sábia, o feiticeiro de Oz, outro mecânico, um mafioso, um
inteligente, só se esqueceram de me perguntar a mim, porque, pois claro, eu
saberia, sou o narrador desta história!
Nada
resultou, para além disso o dinheiro que gastaram na bruxa para ela fazer uma
macumba foi só prejuízo, a mulher esteve lá a dizer umas palavras esquisitas
até aquilo funcionar, ao fim da primeira hora, disse logo "Eu recebo à
hora, portanto se é para continuar, são mais 150 euros, ao passar da segunda
hora, repetiu a frase, estava quase na terceira hora quando o pai perguntou se
ela queria mais 150 para continuar, ao que a bruxa respondeu "Agora não
que eu vou ter consulta de urologia às 4 da tarde".
A
família estava desesperada. Perderam a esperança de recuperar a tão conceituada
e mundialmente conhecida máquina de lavar a roupa. A máquina ainda lavava, e
cada vez melhor, o cheirinho a lavanda irrompia pela vizinhança como um campo
de madre silva numa manhã de verão, no entanto, a moedinha de um euro fazia
falta.
Um
dia aconteceu que apareceu uma moeda de dois euros na máquina. A família
celebrou o sucedido, deu uma festa enorme. No entanto, tal evento não voltou a
acontecer e o filho admitiu que aquela moeda de dois era sua, que ele tinha
deixado no bolso das calças.
O
desespero corrompeu a família. Tiveram algo interessante para partilhar com o
mundo, algo que os fazia especiais, que os tornava diferentes.
Mas
esta gentinha não pensa com cabeça, tudo o que é novo e invulgar é motivo para os
"unir" (só um poucochinho). Tudo o que os faça ter fama, é algo pelo
qual têm de lutar para sempre, pois a fama, para estas criaturas, é tudo! Só a
inteligência nunca os acompanhou.
O
rapaz tinha umas calças com um roto nos bolsos, a mãe pegou naquilo e deu para
a caridade, da caridade, ofereceram a um menino órfão. Muito cedo, esse menino
apercebeu-se que todos os dias aparecia naquelas calças uma moeda de um euro,
se ele se esquecesse, a moeda caía do bolso devido ao roto. Esse menino fez
então fortuna em publicidade à marca das calças. Como ficou rico, milhares de
casais quiseram adotá-lo (só o oportunismo e interesseirismo que reina por este
mundo! Não é só nos parlamentos, aliás, esses infernos na terra são apenas o
espelho das sociedades que representam).
Qual
máquina de lavar a roupa? A família vê só a meios olhos, e o filho estava
demasiado preocupado em comer bichos-de-conta do que em notar que tinha umas
calças mágicas em que todos os dias aparecia uma moeda de um euro que, ora caía
do bolso roto, ora aparecia na máquina de lavar a roupa no dia de lavagem das
calças.
A
família foi enganada, quase como uma conspiração organizada por mim e pela
bruxa, ela até se aproveitou da situação para ir lá ganhar mais uns trocos.
Viveram então o resto dos seus dias deprimidos com a máquina que já não
funcionava, só lavava roupa, que chatice! E ainda o fez por mais uns aninhos, e
cada vez melhor, só o cheirinho a flores do campo, que maravilha. Mas o rancor
apoderou-se da mãe que um dia decidiu desfazê-la à marretada. E assim se
terminou a “máquina de lavar a roupa que dava dinheiro em tempos de crise”. Mas
felizmente, o materialismo triunfou, pois foram logo a correr comprar mais uma
máquina. E quando essa se avariava… outra. E outra, e mais uma, e por aí fora. Tudo
porque a indústria de máquinas de lavar a roupa não lucra lá grande coisa se a
maquinaria for duradoura. É preciso um “incentivo à troca”…
O
rapaz órfão lá viveu com as suas calcinhas mágicas e rotas que se tornaram a
sua razão de viver... Até arranjar uma namorada, depois disso guardou as calças
no sótão da sua casa, isto já em adulto. Houve um dia que o teto caiu e por ele,
irromperam um número exorbitante de moedas de um euro. Como o órfão já tinha 40
anos, muito tempo passara, o euro já não valia nada, o que valia era o Yeng, a
moeda chinesa. Isto por que a China, por essa altura, já dominava quase todo o
mundo.
Miguel Partidário,
Março de 2013